sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Lula diz que Dilma vai se expor a 'Judas' no Senado: 'História muitas vezes demora séculos para julgar'

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RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA

Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho com isso', afirma Lula sobre impeachment de Dilma

Júlia Dias CarneiroEnviada especial da BBC a São Paulo

A menos de uma semana do início do julgamento final da presidente Dilma Rousseff no Senado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz ter "esperança" em uma vitória, embora às vezes fale como se o afastamento da sucessora estivesse consumado.
Em entrevista ao programa Newsnight, da BBC, Lula disse apostar no julgamento da história. "Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho com isso. A história não termina dia 29. Ela começa dia 29."
Sem citar nomes, Lula diz que Dilma irá se "expor corajosamente" no Senado "para que o Judas Iscariotes possa acusá-la na frente dela". Afirma que o presidente interino, Michel Temer, é constitucionalista e "sabe" que a antecessora é vítima de um "golpe parlamentar".
Principal líder do projeto político do PT e réu sob acusação de obstrução da Justiça na Operação Lava Jato, Lula se diz alvo de mentiras e afirma que seu partido não deve pedir desculpas pelo acusações de corrupção. "Quem tem que pedir desculpas é quem está inventando acusações."
Confira a íntegra da entrevista concedida à repórter Júlia Dias Carneiro:
BBC Brasil: O senhor é agora réu em processo por tentativa de obstrução da Justiça nas investigações de corrupção na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Por que o senhor decidiu recorrer a essa instância internacional?
Luiz Inácio Lula da Silva: Tem uma coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você tem uma investigação, eu sou vítima de acusações em que você não tem uma única prova.
Eu penso que os procuradores e os delegados que acusaram estão com uma dificuldade muito grande, e a imprensa numa dificuldade maior, porque como eles mentiram muito tempo a respeito das acusações, em algum momento isso vai vir à tona, eles vão ter que provar se procede alguma das coisas que eles me acusaram.
Por falta de prova, eles começaram a preparar um discurso, que você deve conhecer bem, que é a teoria do domínio do fato. Ou seja, se o Lula é presidente, ele deveria saber. Não existe essa de você julgar em tese. Ou você prova ou não prova. Ou você pede desculpa ou não pede desculpa.
E eu não quero nada, só quero que peçam desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito. Nós temos uma força-tarefa nesse processo. Que envolve um juiz, procurador e Polícia Federal. Então, você não sabe quem investiga, quem acusa e quem vai julgar. Uma mistura, todo mundo faz tudo.


Então, nós entramos com um processo no escritório da ONU em Genebra para que a gente mostre que há, no mínimo, uma certa suspeição no comportamento, ou seja, as pessoas querem transformar uma mentira que eles inventaram num processo.
Estão procurando razões para justificar o processo. Eu estou tranquilo, tenho consciência do meu papel nessa história toda, estou tranquilo porque eles inventaram que eu tenho um apartamento e vão ter que provar que o apartamento é meu, ou me dar um apartamento.

LulaImage copyrightRICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
Image caption'Só quero que peçam desculpa pelas mentiras que contaram a meu respeito', diz ex-presidente sobre acusação na Lava Jato.

Disseram que eu tenho uma chácara que eu frequentava, e a chácara não é minha, a chácara tem dono, foi pago com cheque administrativo, e acho que em algum momento eles vão ter que dizer: "Olha, presidente Lula, desculpa, pensávamos que tinha, mas não tem".
A imprensa mentiu muito e não sei se a imprensa vai ter caráter para pedir desculpas. É por isso que eu recorri a uma instância das Nações Unidas para ver se existe pelo menos um comportamento exemplar de uma Justiça a serviço da justiça.
BBC Brasil: O que o senhor acha que a ONU pode trazer de efeitos concretos aqui no Brasil?
Lula: Eu não sei se pode trazer efeito concreto. O que eu acho é que pode haver um debate. E esse debate já começou por advogados, sindicalistas e políticos de outros países. E pela imprensa. Se não fosse a imprensa estrangeira cobrir com uma certa isenção e autonomia o impeachment da presidente Dilma, a versão da imprensa brasileira é um horror.
Porque a versão da imprensa brasileira, ela não quer saber da verdade, ela sabe que a Dilma não tem culpa, sabe que a Dilma está sendo cassada politicamente e não cometeu nenhum crime, mas finge que não sabe.
Então graças a Deus, foi através da imprensa estrangeira que a gente conseguiu fazer com que líderes importantes no mundo inteiro se dessem conta de que o país está rasgando a sua Constituição, está rompendo com a nossa democracia incipiente. É isso que eu quero, que haja um debate no mundo sobre o que está acontecendo no Brasil.
BBC Brasil: O senhor tem falado muito em uma caça às bruxas, mas por outro lado o senhor tem enfrentado alegações muito sérias, que precisam ser investigadas.
Lula: Nenhum presidente na história desse país fez o que a presidenta Dilma e eu fizemos para dotar o Estado de instrumentos de combate à corrupção. Se você perguntar para qualquer procurador qual foi o governo que mais criou condições para autonomia do Ministério Público, eles vão dizer que foi o PT.
Se você perguntar para qualquer delegado qual foi o partido que mais investiu na PF, que mais investiu na inteligência da PF, eles vão dizer que foi o PT. Se você perguntar quem fez as maiores transformações na legislação, inclusive com a lei da delação premiada, foi PT que fez, numa demonstração que o PT entende que a lei é para todos, e que ninguém está livre de qualquer investigação.
O que não queremos e não poderemos aceitar é que as pessoas façam um pacto com a imprensa, contem mentiras para a imprensa, ou a imprensa conte mentiras para eles, porque tanto a imprensa serve alguns procuradores como os procuradores servem à imprensa, tanto o delegado serve à imprensa quanto a imprensa serve ao delegado. É uma alimentação mútua na perspectiva de criar fato consumado.
Eu não acho isso um comportamento inteligente da Justiça. Um comportamento inteligente é aquele que você investiga, você prova, você acusa julga, e condena. Um julgamento que não é inteligente, você faz um pacto com a imprensa, a imprensa faz a manchete de jornal, ela vai te criminalizando junto à opinião pública sem nenhuma prova. Depois de dez acusações em horário nobre na televisão ou na primeira página dos jornais, você, mesmo inocente, estará condenado dentro da opinião pública.
BBC Brasil: O senhor tem dado indicações de que poderia voltar a se candidatar, mas as pesquisas mais recentes mostram que esta bem atrás daquela popularidade lá em cima de alguns anos atrás, e isso tem a ver com todas as acusações de corrupção que vem afetando tanto o PT como o senhor. Como o senhor reage a isso?
Lula: Olha, primeiro eu reajo com muita naturalidade, ou seja, estou há praticamente seis anos fora da política, até por respeito à presidenta Dilma, que acho que ela tinha que ter liberdade para governar o país. Então é normal que a pesquisa não seja mais a pesquisa do ano que eu saí da Presidência, com 87% de "bom e ótimo".
Mas tenho clareza de que na hora que a gente começar a debater neste país, que a gente começar a mostrar o que o PT fez nesse país, da diferença do governo do PT com os governos do passado, eu tenho certeza que o povo vai se lembrar que o que o PT trouxe em 12 anos de benefício para esse povo - com educação, saúde, trabalho, politica agrícola - eles não fizeram em 200 anos.

Lula e DilmaImage copyrightRICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
Image captionDilma visita Lula em junho deste ano; para presidente, sucessora 'demorou ou não percebeu que estava entrando menos dinheiro no caixa'.

Então eu estou tranquilo que eles não vão conseguir nem criminalizar o PT, e muito menos criminalizar o Lula. É preciso que a verdade venha à tona e é isso que estamos buscando, que o Judiciário tenha liberdade, que o Ministério Público tenha liberdade, e defendo a tese de que toda instituição, quando ela é forte, ela tem que ser séria.
Os que representam aquela instituição têm que ser sérios, não podem brincar, não podem mentir. E hoje o que a gente percebe são pessoas se colocando a serviço de uma revista, de um jornal. Muitas vezes a imprensa recebe o relatório antes do advogado de defesa. Isso não é inteligência, é brincar com o direito que todo cidadão tem de ser respeitado pela lei, de ser investigado corretamente, de ser julgado corretamente. É para isso que brigo, é por isso que mudei leis neste país, é por isso que a Dilma mudou leis.
Você veja, é tão grave o que esta acontecendo no Brasil que mesmo os 81 senadores, sabendo que a presidente Dilma não cometeu nenhum crime contra a Constituição, eles resolveram cassá-la politicamente por interesse.
Ou seja, na medida em que a economia não estava bem, na medida em que a pesquisa não estava ajudando a presidente Dilma, eles resolveram dar um golpe político, um golpe parlamentar. Imagina se isso prevalece no mundo inteiro. Cada vez que um governante baixa na pesquisa, a gente manda derrubar o governante.
Na verdade, não foi a Dilma que foi cassada, o que está sendo cassado é o voto de 54 milhões de brasileiros que votaram na Dilma. E amanhã os senadores vão ter que prestar conta aos eleitores, aos seus filhos e netos. Porque eles não querem ser chamados de golpistas, mas o que fizeram foi dar um golpe na Constituição e dar um golpe parlamentar contra uma presidenta democraticamente eleita pelo povo brasileiro.
BBC Brasil: O senhor tem usado a expressão golpe para falar do que está se passando com a presidente Dilma Rousseff mas o senhor também viveu o golpe militar. Pode-se usar a mesma expressão?
Dá. Da mesma forma como usamos a palavra golpe militar porque foi um golpe militar em 31 de março de 64, e naquele tempo a gente vivia tempo de Guerra Fria, havia acusação de que o comunismo ia tomar conta do Brasil, então os militares e os conservadores desse país deram um golpe para evitar a ascensão da esquerda neste país. Agora não tem essa razão. O comunismo já não amedronta mais. Não tem a Guerra Fria.
Por que o golpe na Dilma? Não foi o golpe militar. Foi um golpe parlamentar. Uma maioria eventual se juntou para tirar a presidente dilma da Presidência da Republica. Uma maioria no Senado e uma maioria na Câmara resolveram afastar a presidenta. O que é um absurdo.
As pessoas que estão fazendo isso não querem que a gente fale golpe, porque diz que é feio, que não é golpe militar. O presidente interino (Michel Temer) é constitucionalista. E ele sabe que o que eles estão fazendo é ilegal, porque a Dilma não cometeu crime e segundo porque é um golpe parlamentar.
BBC Brasil: O que isso representa para o legado do PT depois de tantos anos, porque este período está terminando com um quadro bastante ruim, com recessão, inflação, desemprego aumentando e com a presidente saindo desta forma, com o impeachment. O senhor tem alguma responsabilidade nesta situação?
Lula: Olha, se fossem tirar os governantes do mundo hoje por conta de crise econômica, por conta do desemprego, não tinha um governo no mundo. Já tinham caído todos. O governo inglês, americano, alemão, italiano, francês, chinês. Porque a crise é geral. E é uma crise causada pela irresponsabilidade do sistema financeiro que começou com o problema habitacional americano, o subprime, e terminou com queda do (banco) Lehman Brothers. A partir daí todos os países entraram em crise.
Quando fizemos o G20 em Londres, em 2009, nós decidimos que, para evitar uma crise econômica muito grande, era necessário não adotar políticas protecionistas e aumentar o comércio exterior para poder gerar mais emprego para as pessoas. Foi feito exatamente o contrário. Cada país tentou se proteger, a crise aumentou e 90% dos países ainda não resolveram seus problemas.Continue lendo na BBC BRASIL